quarta-feira, 8 de julho de 2009

O Cânon Bíblico, o Reino de Deus e a Autoridade Civil em Hobbes

O Cânon Bíblico, o Reino de Deus e a Autoridade de Civil em Hobbes – Julho 2009

No início do cap. XXXIII do Leviathan Hobbes relaciona o termo cânone com as regras da vida civil, afirmando que os livros canônicos das Escrituras ditam as regras da vida cristã. Argumenta que, como as regras da vida que devem ser respeitadas são leis, “o problema das Escrituras é o problema de saber o que é lei, tanto natural quanto civil, para toda a cristandade”.
Partindo do princípio de que os soberanos são os únicos legisladores em seu domínio, conclui que os livros canônicos, isto é, que são leis, são estabelecidos pela autoridade soberana (idem).
Ele aceita como canônicos, em relação ao AT, os livros “que a autoridade da Igreja Anglicana ordenou que fossem reconhecidos como tais”. Tal tese é um enfrentamento da Igreja estabelecida, ela que é a guardiã das interpretações da Bíblia, como se esta fosse um “Sinai fumegante”, a qual não poderia ser tocada, isto é, interpretada de forma divergente, sem punição da instituição eclesiástica.
Aqui se vê claramente a importância daquilo que Hobbes esclareceu na Dedicatória do Leviathan sobre o uso diferente que faz das Escrituras, mas com a devida autorização, desta vez não procedente da Igreja Católica. Como ele estava a serviço da verdade em relação à soberania e à paz civil, é bem possível que essa autorização tenha-lhe vindo não da Igreja Anglicana, ou de algum membro do poder civil, mas certamente veio da razão, pois ele diz na Revisão e Conclusão da obra que chegou ao final de seu discurso "sem parcialidade, sem servilismo, e sem outro objetivo senão colocar diante dos olhos dos homens a mútua relação entre proteção e obediência". E afirma ainda: "Não posso acreditar que seja condenado nesta época, quer pelo juiz público da doutrina, quer por alguém que deseje a continuação da paz pública". E acrescenta: "Pois a verdade que não se opõe aos interesses ou aos prazeres do homem é bem recebida por todos".
Hobbes reconhece a soberania de Deus sobre todos os soberanos, bem como que “quando (Deus) fala a qualquer súdito deve ser obedecido, seja o que for que qualquer potentado terreno ordene em sentido contrário” (idem). Porém, ele põe em dúvida não a obediência a Deus, mas sim quando e o que Ele disse. Como há pessoas que não receberam a revelação sobrenatural, “isso só pode ser conhecido ... através da razão normal” e é esta que levou os homens à obediência, visando a paz e a justiça (idem).
Sua principal questão, ao discutir o Reino de Deus, era em relação a quem daria as ordens, quer por escrito, quer oralmente, as quais deveriam ser obedecidas por todos que pretendiam ser protegidos pelas leis. Isso porque, como ele diz:
“As questões de doutrina relativas ao Reino de Deus têm tamanha influência sobre o reino dos homens que só podem ser decididas por quem abaixo de Deus tem o poder soberano”. (Cap. XLV)
E isso, obviamente, era uma oposição ao poder eclesiástico, como se vê no final da Parte I do Leviathan e, no cap. XXXIII, quando ele diz:
“A questão da autoridade das Escrituras fica reduzida a isto: se os reis cristãos, e as assembléias soberanas das repúblicas cristãs, são absolutas no seu próprio território, imediatamente abaixo de Deus, ou se estão sujeitas a um vigário de Cristo, constituído sobre a Igreja Universal, podendo ser julgados, depostos ou mortos, consoante ele achar conveniente ou necessário para o bem comum”. (Cap. XXXIII)
A esse argumento Hobbes acrescenta que “quem tiver o poder de tornar lei qualquer escrito terá também o poder de aprovar ou desaprovar sua interpretação”. (p. 330). Logicamente ele conclui que, como a autoridade civil é quem autoriza o que é canônico e o que se pode ensinar, a instituição eclesiástica deve-lhe obediência, deixando, no caso da Igreja católica,o seu líder a ser, de fato, “pontifex maximus”, pois nem em religião ele será a autoridade máxima, pois a tolerância religiosa se aproxima. E quem diria, no próprio Hobbes, herdeiro de Lutero.
No cap. XVI do Leviathan, onde trata das coisas personificadas e da autoria dos atos da Pessoa Soberana, objetivando defender a supremacia do poder civil sobre a instituição eclesiástica, Hobbes afirma que as coisas inanimadas, como uma igreja, podem ser personificadas, mas não podem ser autores nem conferir autoridade a seus atores, pois “essas coisas não podem ser personificadas enquanto não houver um Estado de governo civil”.
Dessa forma, a instituição eclesiástica só existirá efetivamente se for reconhecida pelo Estado, que é quem lhe garante a própria existência civil. E assim se reafirma a tese, de que seria absurdo e contraditório, como era comum nos discursos da Filosofia das Escolas, que o Estado desse a si mesmo um soberano.

Um comentário:

Anônimo disse...

Profº Drndo Isaar Soares.

Boa Noite!

Show de bola o texto, entretanto considerei meio confuso para minha limitada compreensão. Desculpe-me, a ignorância. No mais, continuo um leitor ávido dos seus textos, embora saiba que o hobbesiano aqui é o senhor, afinal eu sou apenas um mero apreciador dos seus textos.

Forte Abraço, Pedro Filho.