terça-feira, 21 de setembro de 2010

A Filosofia definida por Hobbes no Leviatã

Thomas Hobbes (1588-1679)
Abaixo segue parte das definições de Filosofia de acordo com Hobbes, transcritas de sua obra Leviatã, publicada em 1651:

“Por filosofia se entende o conhecimento adquirido por raciocínio a partir do modo de geração de qualquer coisa para as propriedades; ou das propriedades para algum possível modo de geração das mesmas, com o objetivo de ser capaz de produzir, na medida em que a matéria e a força humana o permitirem, aqueles
efeitos que a vida humana exige. Assim o geômetra, a partir da construção de figuras, encontra muitas de suas propriedades, e a partir de suas propriedades novos modos de construí-las por raciocínio, com o objetivo de ser capaz de medir a terra e a água, e para outros inumeráveis usos. Assim o astrônomo, a partir do nascente, do poente e do movimento do sol e das estrelas, em várias partes dos céus, descobre as causas do dia e da noite e das diferentes estações do ano, com o que mantém uma contagem do tempo. E o mesmo acontece nas outras ciências.
Definição pela qual fica evidente que não consideramos como parte dela aquele conhecimento originário chamado experiência, no qual consiste a prudência, porque não é atingido por raciocínio, mas se encontra igualmente nos animais e no homem, e nada mais é do que a memória de sucessões de eventos em tempos passados, na qual a omissão de qualquer pequena circunstância, alterando o efeito, frustra a esperança
do mais prudente, visto que nada é produzido pelo raciocínio acertadamente senão a verdade geral, eterna e imutável.
Nem devemos portanto dar esse nome a quaisquer falsas conclusões, pois aquele que raciocina corretamente com palavras que entende nunca pode concluir um erro.
Nem aquilo que qualquer homem conhece por revelação sobrenatural, porque não é adquirido por raciocínio.
Nem aquilo que se tira por raciocínio da autoridade de livros, porque não é por raciocínio de causa a efeito, nem do efeito para a causa, e não é conhecimento, mas crença.
Sendo a faculdade de raciocinar consequente ao uso da linguagem, não era possível que não houvesse algumas verdades gerais descobertas por raciocínio, quase tão antigas como a própria linguagem. Os selvagens da América não deixam de possuir algumas boas proposições morais; também possuem um pouco e aritmética para adicionar e dividir com números não muito grandes, mas nem por isso são filósofos. Pois assim como havia plantas de cereal e de vinho em pequena quantidade espalhadas pelos campos e bosques antes de os homens conhecerem suas virtudes, ou usarem-nas como alimento, ou plantarem-nas separadamente em campos e vinhas, época em que se alimentavam de bolotas e bebiam água, assim também deve ter havido várias especulações verdadeiras, gerais e úteis desde o início, à maneira de plantas naturais da
razão humana, mas ao princípio eram muito poucas. Os homens viviam baseados na experiência grosseira, não havia método, isto é, não semeavam nem plantavam o conhecimento por si próprio, separado das ervas daninhas e das plantas vulgares do erro e da conjetura. E sendo a causa disso a falta de tempo, devida à procura das necessidades da vida e à defesa contra os vizinhos, era impossível, até que se erigisse um grande Estado, que as coisas se passassem de maneira diferente. O ócio é o pai da filosofia, e o Estado, o pai da paz e do ócio. Quando pela primeira vez surgiram grandes e florescentes cidades, aí surgiu pela primeira vez o estudo da filosofia.
A filosofia não surgiu entre os gregos e os outros povos do ocidente, cujos Estados (que não eram talvez maiores do que Lucca ou Gênova) nunca tinham paz, a não ser quando seus receios recíprocos eram iguais, nem ócio para observar outra coisa além de se observarem mutuamente. Por fim, quando a guerra uniu muitas destas cidades gregas
menores em cidades menos numerosas e maiores, então começaram a adquirir a reputação de sábios sete homens de várias partes da Grécia, alguns deles devido a máximas morais e políticas, e outros devido ao saber dos caldeus e egípcios, que era astronomia e geometria. Mas ainda não ouvimos falar de quaisquer escolas de filosofia.
Depois que os atenienses, pela derrota dos exércitos persas, alcançaram o domínio do mar, e portanto de todas as ilhas e cidades marítimas do Arquipélago, tanto da Ásia como da Europa, e se tornaram ricos, não tinham nada que fazer nem em seu país nem fora dele, exceto (como diz São Lucas, Atos, 17,21) contar e ouvir notícias, ou discorrer publicamente sobre filosofia, dirigindo-se aos jovens da cidade. Todos os mestres
escolheram um lugar para esse fim: Platão em certos passeios públicos denominados academia, derivado de Academus, Aristóteles no caminho para o templo de Pan, chamado Lyceum, outros na Stoa, ou caminho coberto, onde as mercadorias dos comerciantes eram trazidas para terra, outros em outros lugares, nos quais passavam o tempo de seu ócio ensinando ou discutindo suas opiniões, e alguns em qualquer lugar onde pudessem reunir a juventude da cidade para ouvi-los falar. E isto foi também o que fez Carnéades em Roma, quando era embaixador, o que levou Catão a aconselhar ao Senado que o mandasse embora rapidamente, com receio de que ele corrompesse os costumes dos jovens que se encantavam ao ouvi-lo falar (como eles pensavam) belas coisas.
Daqui resultou que o lugar onde qualquer deles ensinava e discutia se chamava schola, que em sua língua significava ócio, e suas disputas diatribae, o que significa passar o tempo. Também os próprios filósofos tinham o nome de suas seitas, algumas delas derivadas destas escolas, pois aqueles que seguiam a doutrina de Platão eram denominados acadêmicos, os seguidores de Aristóteles, peripatéticos, do nome do
caminho onde ele ensinava, e aqueles que Zenão ensinava estóicos, de stoa, como se denominássemos os homens a partir de Morefelds, igreja de São Paulo e Bolsa, porque eles ali se encontram muitas vezes para tagarelar e vaguear”.

(O textocompleto encontra-se no Volume da Coleção Os Pensadores dedicado a Thomas Hobbes. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz N. da Silva. 2. ed. S. Paulo, Abril Cultural, 1974.)

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