domingo, 27 de maio de 2012

A Retórica como instrumento da verdade na exposição de Hobbes

Ao meu filhinho Thomas, a quem acompanhei em difíceis momentos no hospital, em novembro de 2011,com o livro de Skinner, Razão e Retórica na Filosofia e Hobbes, nas mãos, e com o coração no Salvador

Falemos brevemente sobre a presença e a importância da Retórica no pensamento e na exposição de Hobbes. Quentin Skinner afirma que Hobbes fazia leituras voltadas principalmente para as “cinco disciplinas canônicas dos studia humanitatis: gramática, retórica, poesia, história e filosofia civil”. Também afirma que, após sua primeira viagem ao exterior, Hobbes começou a ler trabalhos de poetas e historiadores, bem como os comentários a seu respeito, elaborados por gramáticos célebres, observando que o próprio Hobbes escreveu:

"Minha meta não era aprender a escrever com floreios, mas sim aprender a escrever num estilo autenticamente latino, e ao mesmo tempo, descobrir quais eram exatamente as palavras dotadas do poder que mais se adequava aos meus pensamentos".

Isso indica que seu discurso não é meramente descritivo, mas visa a um fim, não apenas como todo discurso, consciente ou inconscientemente, dotado de técnica ou não, é em si mesmo, mas sim de forma especial, visando não só demonstrar a verdade de suas teses, mas também convencer o leitor disso.

Certamente devemos observar, porém, que a própria verdade, quando se trata de Política, submete-se ao juízo do soberano civil, que deve zelar pela paz civil. Assim, no Leviatã Hobbes afirma que o ensino das doutrinas, ainda que estas fossem verdadeiras, não deveria ser permitido caso alguma delas viesse a prejudicar a paz civil. É o que diz o filósofo no cap. XVIII da obra:



Compete à soberania ser juiz de quais as opiniões e doutrinas que são contrárias à paz, e quais as que lhe são propícias. E, em consequência, de em que ocasiões, até que ponto e o que se deve conceder àqueles que falam às multidões de pessoas, e de quem deve examinar as doutrinas de todos os livros antes de serem publicados. Pois as ações dos homens derivam de suas opiniões, e é no bom governo das opiniões que consiste o bom governo das ações dos homens, tendo em vista a paz e a concórdia entre eles. E, embora em matéria de doutrina não se deva olhar a nada senão à verdade, nada se opõe à regulação da mesma em função da paz. Pois uma doutrina contrária à paz não pode ser verdadeira, tal como a paz e a concórdia não podem ser contrárias à lei de natureza.
Em última instância, portanto, quem decide o que deve ser ensinado, seja verdadeiro ou não, é o soberano, isto é, o Estado.

O intento de Hobbes de convencer o leitor da verdade de suas teses torna-se bem evidente quando ele o convida para ler-se a si mesmo, logo na Introdução do Leviatã, caso discorde de suas ideias. Outro exemplo a ser citado dos recursos usados por Hobbes para convencer o leitor encontra-se no Cap. XX do Leviatã, onde ele afirma: “Tudo isto poderá ser encontrado por um leitor atento nos antigos livros de história gregos e latinos que fazem referência à nação e aos costumes germanos de seu tempo”. Nesse caso, o filósofo desafia o leitor discordante a corrigir sua forma de interpretar o texto, procurando convencê-lo de que não é ele quem fala, mas o próprio texto citado, basta apenas que o leitor o examine com a devida atenção.

Sobre "as fortificações avançadas do inimigo", que eram, no dizer de Hobbes, as Escrituras, observe-se que ele, ao usar essa metáfora na Epístola Dedicatória do Leviatã, está também se protegendo. Skinner afirma mesmo que "o escudo do raciocínio de Hobbes não apenas protege sua filosofia contra seus inimigos, mas também, como a armadura de Demólio da Eneida, reluz com tanto brilho que consegue ser decus et tutamen, algo de belo e, ao mesmo tempo, um meio de defesa" (Skinner, p. 313).

Sobre as Escrituras como meio de corroborar seus argumentos, Hobbes afirma: “Supondo que estes meus princípios não sejam princípios racionais, tenho contudo a certeza de que são princípios tirados da autoridade das Escrituras”.

E ao tratar do Estado cristão Hobbes afirma que “não convém renunciar aos sentidos e à experiência, nem àquilo que é a palavra indubitável de Deus, nossa razão natural”. Mas pela natureza do assunto ele recorre às Escrituras, afirmando que delas, adotando-se “sábia e douta interpretação e cuidadoso raciocínio, podem facilmente ser deduzidos todos os preceitos e regras necessárias” em relação aos deveres diante de Deus e dos homens. Aqui os princípios de seu discurso se encontram na Bíblia, como ele diz: “E é destas Escrituras que vou extrair os princípios de meu discurso, a respeito dos direitos dos que são na terra os supremos governantes dos Estados cristãos, e dos deveres dos súditos cristãos para com seus soberanos”.

Hobbes entende que isso é necessário devido ao seu público, pois como diz Christopher Hill: “Em meados do século XVII, homens e mulheres ingleses já haviam vivido um quarto de milênio de ênfase na soberania das Escrituras como a única fonte divina para tratar qualquer assunto, inclusive a política”. Hill ainda afirma que “Henrique VIII preocupava-se principalmente em assegurar a independência da Inglaterra em relação ao papado quando autorizou a tradução da Bíblia para o Inglês”, observando que no século XVII, enquanto a evocação dos clássicos gregos e romanos para defender alguma doutrina , seu conhecimento era restrito ao público erudito, enquanto “a Bíblia, no vernáculo, estava aberta a todos, até mesmo às classes mais baixas...”. E acrescenta ainda Hill que “a Bíblia foi fundamental para toda a vida intelectual e moral dos séculos XVI e XVII”.

E especificamente em relação a Hobbes, Hill afirma que “calcula-se que haja 657 citações do texto bíblico no Leviatã, e que no total existam 1.327 citações em suas seis principais obras políticas”. Porém, Hill relembra que Hobbes não teria feito isso simplesmente por retórica, mas para livrar as consciências dos homens do controle da instituição eclesiástica, mas mantendo o reconhecimento do poder da palavra de Deus, e cita Hobbes: “Não há que ter poder sobre a consciência humana, mas sim o da Palavra em si”.

De acordo com Skinner, é de observar o valor que Hobbes dava à Retórica pelo fato de que ele traduziu a Arte Retórica de Aristóteles para o Latim e depois, deste, para o Inglês. Essa foi a primeira tradução da obra publicada em Inglês, mas isso foi feito anonimamente, em 1637, sob o título A Briefe of the Art of the Rhetorique. Tratava-se, como diz o título, de um texto resumido que, além disso, foi reformulado e complementado por Hobbes e seu trabalho foi reconhecido como uma importante contribuição para o próprio estudo da Retórica. Em 1651, numa reedição, foi considerada pelo editor, Thomas Maxy, como indispensável para quem buscasse um "compêndio das artes da lógica e da retórica em Língua Inglesa".

Observa-se, portanto, que o mesmo Hobbes que chamava aos defensores da democracia e do parlamentarismo de retóricos, considerava tão importante essa arte que não só a traduziu, o que já demonstra seu apreço e interesse por ela, como também a utilizou, às vezes com reverência diante dos leitores e adversários, porém outras com extrema ironia e sarcasmo.

O uso de imagens para convencer os leitores, que é parte das técnicas da Retórica, aparece não só nos textos de Hobbes, mas também de forma especial na capa de sua tradução da História da Guerra do Peloponeso, bem como nas capas do De Cive e do Leviatã. Em relação à História da Guerra do Peloponeso, Skinner afirma que, de acordo com Hobbes, "o que menos agradava a Tucídides era a democracia". Tese que, continua Skinner, "é vigorosamente enfatizada pela capa produzida para a edição de Hobbes pelo gravador Thomas Cecil". Nessa ilustração, conforme observa Skinner, um governante de Esparta aconselha-se com nobres eruditos, enquanto a democracia de Atenas é ridicularizada com "um demagogo discursando para uma multidão, boa parte da qual é andrajosa e capenga", e isso aparece logo abaixo da figura de Péricles.

De acordo com Skinner, nessa ilustração “o efeito é associar Tucídides a um dos esteios centrais do humanismo da Inglaterra renascentista: o de que os nobres doutos e virtuosos representam os melhores e mais naturais ´governantes´ de qualquer Estado ordeiro". Skinner afirma também que no Livro de ditados do Conde de Devonshire aparece a afirmação de que "a virtude é a verdadeira nobreza", o que indicaria a preferência de Hobbes não só pela Monarquia, mas, implicitamente, pela Aristocracia.

Skinner faz uma longa e erudita exposição sobre o caráter da Retórica, da qual destacamos alguns conceitos. Por exemplo, ele afirma que o bom ethos, para Hermógenes de Tarso, do século II, possui “simplicidade, doçura, sutileza e modéstia”, as quais são tanto expressões do caráter quanto “um meio de conquistar a boa vontade do público”.

Também afirma que para Thomas Wilson, retórico da Era Tudor, o primeiro objetivo do orador deve ser “tornar as pessoas atentas e satisfeitas por nos ouvirem”. É necessário conquistar-lhes a boa vontade logo no início do discurso. O público deve estar certo de que o assunto a ser tratado é de seu benefício ou promoverá o seu país, que se tratará de coisas de peso ou de uma doutrina proveitosa. Noutros casos, se o público não gostar de tais assuntos, poderá ser distraído com uma história de marinheiro e, depois, talvez dará atenção às questões de peso. É possível que Hobbes tenha usado desse recurso quando, na apresentação do que será tratado no De Cive, parece querer atrair o leitor para temas de interesse moral, político e religioso, numa era de tensão social, religiosa e política, quando diz: “Neste livro, verás sucintamente descritos os deveres dos homens, primeiro enquanto homens, depois enquanto súditos, e finalmente na qualidade de cristãos”.

Ainda a respeito de Tucídides, Skinner afirma que Hobbes a analisa considerando a qualidade de sua elocução e a extensão de sua veracidade e concluindo que Tucídides teve o máximo de diligência na descoberta da verdade. Dessa forma, Hobbes enaltece tanto sua veracidade quanto seu estilo. Sendo assim, Skinner entende que Hobbes faz uma leitura laudatória da História da Guerra do Peloponeso, observando, em primeiro lugar, que ele afirma que Tucídides foi tão diligente na busca da verdade quanto era possível a um homem, “anotando tudo enquanto ainda estava fresco em sua memória, e empenhando sua riqueza no entendimento”. Em segundo lugar, Skinner reconhece que Hobbes dedica especial atenção, também, ao estilo do historiador, interpretando sua obra “essencialmente como uma realização retórica...”, e chegando a afirmar que “Tucídides deveria ser reputado como o maior de todos os historiadores, tanto pela exposição quanto pelo conteúdo de seu pensamento”.

Skinner afirma que, para Hobbes, Tucídides demonstrou “quão inepta é a democracia e quão mais sensato é o governo de um só homem, e não de uma multidão” e foi por isso que ele se decidiu pela tradução de sua obra, numa evidente oposição ao parlamentarismo. Hobbes dirigia-se ao povo inglês, com essa tradução, para que este não caísse na retórica, assim como Tucídides criticava a democracia e os demagogos.

Hobbes, dessa forma, em seu contexto ideológico e político, fazia claramente uma severa crítica aos defensores do parlamentarismo, a qual, de acordo com sua visão, era mesmo "insultuosa", o que se evidencia em suas seguintes afirmações:

Por sua opinião concernente ao governo do Estado, fica patente que o que menos lhe agradava era a democracia. E, em diversas ocasiões, ele assinalou a competição e a disputa dos demagogos pela fama e pela glorificação da perspicácia, contrariando as opiniões uns dos outros em prejuízo do público; a incoerência das decisões, provocada pela diversidade dos fins e pelo poder da retórica dos oradores; e os atos de desatino praticados com base na orientação lisonjeira dos que desejavam adquirir ou conservar o que haviam adquirido de autoridade e influência em meio à gente comum.

Ao falar sobre os recursos necessários para o sucesso do orador, Skinner afirma que este deve garantir ao público que tratará de uma questão de peso ou de uma doutrina salutar, atual e necessária. Ele deve também aparentar imparcialidade, procurando levar o auditório a crer que tudo o que diz provém “simplesmente dos dados factuais da questão e do caráter das pessoas implicadas”.

Um outro recurso, de grande valor pragmático, consiste em declarar sua bondade, mas sem ostentação, e aparentar que defende uma causa pela generosidade de seu coração, o que lhe será benéfico na maioria dos casos por ele defendidos.

A aparência é valorizada, na História do pensamento político, especialmente por Maquiavel, que afirma que o príncipe deve valorizar, acima de tudo, aparentar ser fiel, piedoso, pois “o vulgo, que é a maioria”, julga as coisas apenas pela aparência. Por isso, mesmo observando que é melhor ter a fama de cruel e preservar a união, a paz e a lealdade do povo, ele afirma que “cada príncipe deve desejar ser tido como piedoso e não como cruel”.

A virtude deve ser mantida em aparência, mesmo quando não praticada. É o que se evidencia em relação à infidelidade à palavra dada pelo príncipe, quando Maquiavel diz: “Aquele que, com mais perfeição, soube agir como a raposa, saiu-se melhor. Mas é necessário saber bem disfarçar esta qualidade e ser grande simulador e dissimulador”. O raciocínio de Maquiavel é assaz pragmático, pois conclui justificando essa tese com a premissa de que “tão simples são os homens e de tal forma cedem às necessidades presentes, que aquele que engana sempre encontrará quem se deixe enganar”.

Essa tese perpassa todo o Cap. XVIII, que começa afirmando: “Quanto seja louvável em um príncipe o manter a fé (da palavra dada) e viver com integridade, e não com astúcia, todos compreendem”. Mais adiante, porém, o autor florentino afirma que, devido à natureza do homem e à natureza das coisas da política:

A um príncipe... não é essencial possuir todas as qualidades acima mencionadas, mas é bem necessário parecer possuí-las... por exemplo: parecer piedoso, fiel, humano, íntegro, religioso, e sê-lo realmente, mas estar com o espírito preparado e disposto de modo que, precisando não sê-lo, possas e saibas tornar-te o contrário.

O príncipe, portanto, ou o ator político em geral, deverá sempre valorizar a aparência, pois seja do ponto de vista estético, do seu discurso verbal, dos cerimoniais etc., ele estará sempre apresentando uma performance, e assim, sua própria presença será retórica e uma ocasião para o exercício de influência sobre a sociedade, que em sua maioria julga apenas pela aparência. Sua presença, portanto, já se constitui num discurso, e como disse Carlos Vogt em relação à questão da linguagem: “O problema todo parece girar em torno das relações entre o indivíduo que dirige a palavra e aquele a quem ele se dirige, dirigindo-o”. E no caso do ator político a linguagem tem, conforme citamos, recursos ou formas múltiplas.

Após essa breve digressão, voltemos a falar da Retórica, assim como exposta por Skinner. De acordo com ele, a aparência é valorizada por também por Quintiliano, que diz na Institutio Oratoria: “Sempre devemos falar de maneira a parecer calmos, conciliatórios, gentis e humanos”. Porém, essas virtudes aconselhadas por Quintiliano, em seu todo, Hobbes não apresenta no Leviatã, principalmente na edição inglesa, onde é amiúde irônico, sarcástico e zombeteiro. Posteriormente, porém, na edição latina, publicada em 1668, omitirá várias afirmações que mostravam seu desprezo por quem defendesse teses filosoficamente indemonstráveis, especialmente as dos teólogos escolásticos.

Ao falar de Hobbes e da importância da retórica em seu pensamento político, Skinner usa com frequência o termo “técnica”, referindo-se a diversos recursos da Retórica usados pelo filósofo em sua argumentação. Especificamente sobre o uso da Retórica feito por Hobbes, possibilita ao leitor à identificação de diversos trechos do Leviatã em que os argumentos são acrescidos de recursos e figuras dessa arte, possibilitando uma nova leitura da obra, ressalvando, conforme já dissemos, que Hobbes retirou várias ironias, zombarias e sarcasmos em sua edição latina do Leviatã. Isso se deve, de acordo com Skinner, ao público a quem Hobbes se dirigia com cada versão de seu texto. Os argumentos racionais não necessitariam de tantos recursos retóricos para os leitores do Latim, que eram mais cultivados do que o público leitor da edição original inglesa, de 1651.

Hobbes vale-se da retórica porque reconhece que “os homens que nada estudam, a não ser seus alimentos e sua comodidade, contentam-se em acreditar em qualquer absurdo, em vez de se darem ao trabalho de examiná-lo” e teme “que até as demonstrações científicas mais evidentes possam não conseguir convencer”, pois “mesmo que as pessoas achem perfeitamente simples acompanhar uma certa linha de raciocínio, ainda assim é possível que elas se recusem a reconhecer sua força, se porventura lhe suceder contrariar o sentimento perceptível que elas têm de seus próprios interesses”. O Leviatã, conclui Skinner, é por isso escrito com ênfase nos interesses, já que por eles os homens colocam em segundo plano as descobertas científicas. O interesse faz parte da filosofia civil de Hobbes como um novo conceito, mas também como um recurso discursivo, pois Hobbes já duvida da eficácia dos argumentos demonstrativos para o convencimento do leitor.

Evidencia-se isso em diversos trechos da obra, mas parece-nos que algumas referências aos caps. XI, XIII e XIX da obra poderão nos servir de exemplo para simplesmente corroborar o que dissemos. Assim, observamos que no cap. XI ele afirma:

O desejo de conforto e deleite sensual predispõe os homens para a obediência ao poder comum, pois com tais desejos se abandona a proteção que poderia esperar-se do esforço e trabalho próprios. O medo da morte e dos ferimentos produz a mesma tendência, e pela mesma razão... O desejo de conhecimento e das artes da paz inclina os homens para a obediência ao poder comum, pois tal desejo encerra um desejo de ócio, consequentemente de proteção derivada de um poder diferente de seu próprio... O medo da opressão predispõe os homens para antecipar-se, procurando ajuda na associação, pois não há outra maneira de assegurar a vida e a liberdade.

Assim, o Estado e a obediência a ele, tendo como recompensa a paz, nascem do medo, do desejo e do interesse.

Como Hobbes fala do ócio nesta parte, vale lembrar que ao final da obra ele voltará a referir-se a ele, associando-o, inclusive, à Filosofia, quando diz: “O ócio é o pai da filosofia, e o Estado, o pai da paz e do ócio”. E prossegue, para justificar sua tese:

Depois que os atenienses, pela derrota dos exércitos persas, alcançaram o domínio do mar..., e se tornaram ricos, não tinham nada que fazer nem em seu país nem fora dele, exceto (como diz São Lucas, Atos, 17,21) contar e ouvir notícias, ou discorrer publicamente sobre filosofia, dirigindo-se aos jovens da cidade. O lugar onde qualquer deles ensinava e discutia se chamava schola, que em sua língua significa ócio.

Nesse argumento é clara a preferência de Hobbes por Estados fortes, como quando diz no Cap. XX: “Naquelas nações cujos Estados tiveram vida longa e só foram destruídos pela guerra exterior, os súditos jamais discutiram o poder soberano”. Essa afirmação, indubitavelmente, pode ser associada aos interesses dos homens, e do autor, que quer convencê-los a preferir um governo monárquico, aristocrático, conforme já dissemos.

Hobbes, assim, é um pensador, ao mesmo tempo, erudito e pragmático. Se, por um lado, escreve com argumentos baseados na filosofia civil, por outro, procura convencer os leitores que procuram argumentos baseados nas Escrituras. Se, por um lado, escreve o Leviatã em Inglês recorrendo à retórica e zombando de seus adversários ideológicos, políticos e filosóficos, principalmente aos escolásticos, a cuja filosofia chamou de vã, parafraseando o texto de Paulo aos Colossenses que diz: “Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas”.

Enfim, Hobbes aplica-se não só a escrever um texto, mas a, escrevendo-o, influenciar sobre a própria história política de seu país e contribuir para a doutrina da soberania na História do pensamento e da práxis política. Assim, seu texto tem um caráter teórico, auxiliado pela retórica a atingir fim, sendo então intencional, isto é, dirigido a um fim e, portanto, ilocucionário, cabendo mais uma vez lembrar da afirmação de Carlos Vogt, já citada, de que quem se dirige a alguém através de um discurso pretende dirigi-lo, e mais do que isso, diríamos, seduzi-lo, conquistá-lo para suas razões ou pseudo-razões.

E por falar nas Escrituras, o que fizemos no decorrer de todo esse trabalho, não foi da sedução, do despertar de interesses e da onipotência, que a serpente atraiu para si tanto Eva quanto Adão, de acordo com a narrativa do Gênesis? Essa lenda indicaria, pois, que o homem segue mais o desejo do que a razão, e que mesmo um discurso falso pode ser mais convincente do que um discurso racional, porque, enfim, e aqui me permitam citar S. Tiago, pois não consigo pensar sem as Escrituras em alguns casos, “cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz”.

E por mais contraditório que pareça, a própria razão precisa ser complementada pelo desejo, buscando o escritor ou o orador despertar o interesse do ouvinte para atraí-lo para seus argumentos. E para alcançar seu fim, então, Hobbes lança mão do que criticara antes, a retórica, que agora lhe serve de instrumento. E se demonstra que a razão não dá conta de convencer o homem, mas precisa da retórica, da arte do retor ou estadista, não do filósofo, que com sua concepção genética, buscando a partir do modelo da geometria a origem e os fins do Estado, a poucos poderia convencer, afinal. E como diz Skinner, Hobbes inaugura um novo modo de fazer filosofia, seguido por Hume e Bertrand Russel, principalmente quando leva o leitor a rir dos argumentos sem sentido ou desinteressantes para seus fins, enunciados por seus adversários.

Mas Hobbes não ficou isento de críticas sobre seu uso da Retórica, uma das quais é feita por Rousseau, quando afirma em Carta a Voltaire:

Todo Governo humano, por sua natureza, se limita aos deveres civis, e, seja o que for que o sofista Hobbes tenha podido dizer, quando um homem serve bem ao Estado, ele não deve explicação a ninguém sobre a maneira com que serve a Deus.

- Não haveria exagero nessa afirmação de Rousseau, isto é, de que Hobbes era um sofista?

Durante a longa exposição que faremos neste trabalho poderemos observar em que medida o que Hobbes afirma no início do Leviatã é uma garantia da verdade de seu discurso, tornando-o digno de confiança, ou é para ser visto com o devido cuidado, por tratar-se de mais um recurso utilizado para persuadir o leitor de que suas ideias estão corretas e são isentas de interesses, preferências e ideologias, pois ele assevera ao leitor: “Sou um homem que ama suas próprias opiniões, que acredito em tudo o que digo”.

Sendo assim, ele desafia o leitor a pensar de forma rigorosa e a assentir com seus argumentos, várias vezes acrescentando-lhes expressões de sarcasmo em relação à inteligência de quem discordar ou não entender seus argumentos. Ele alega procurar por um leitor atento no Leviatã, e procura persuadir seu público de que sua argumentação está correta, por exemplo, quando diz: “Tudo isto poderá ser encontrado por um leitor atento nos antigos livros de história gregos e latinos...”.

Porém, para quem identifica Hobbes apenas como retórico ou sofista quando recorre às Escrituras e à fé cristã em sua argumentação, seria interessante obervar que a expressão “nosso salvador” aparece 21 vezes no De Cive, 192 vezes no Leviatã e 48 vezes nos Elementos da Lei, enquanto a expressão “nosso abençoado salvador” aparece 8 vezes no Leviatã. Quer dizer, Hobbes chama a Cristo de Salvador 269 vezes nessas três obras. – Seria isso, mesmo, apenas retórica?